O CONTRATO

Abaixo, publico o contrato padrão usado pela Axcel Books com os seus autores, com uma análise minuciosa de cada cláusula. Como estarei explicando, a maioria das cláusulas é ilegal, por ser um contrato do tipo “leonino”, isto é, somente uma das partes (a editora) tendo direitos. Eu estou publicando aqui o contrato para que autores não façam a besteira que eu fiz: contratem um advogado para analisar qualquer contrato antes de assiná-lo! Espero que esta análise ajude outros autores a não cairem em ciladas como foi o caso dos autores da Axcel.

O texto original do contrato está em itálico, enquanto que meus comentários estão em texto corrido.

CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS

O contrato já começa mal, pois é um contrato de cessão de direitos autorais e não um contrato de edição. Ao assinar um contrato de cessão de direitos, a obra passa a não ser mais do autor e sim da editora. A maneira correta de se publicar um livro é usando um contrato de edição, onde a propriedade da obra continua sendo do autor e a editora é contratada apenas para publicá-lo.

(NOME DO AUTOR)

com base na lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 e no Artigo 5 XXVII da Constituição Federal de 1988, doravante designado Autor, pelo presente, compromete-se a preparar e entregar, dentro do prazo de 30 dias, à Axcel Books do Brasil Editora Ltda, doravante designada Editor, uma obra escrita sob o título:

(NOME DA OBRA)

da série (nome da série), da Axcel Books, ou outro título que for combinado entre as partes do presente, compreendendo a referida obra um original datilografado eletronicamente no software Microsoft Word para Windows versão 2, 6 ou 7, em disquete de computador, em espaço duplo, índice analítico e sumário, quando aplicáveis, bem como as ilustrações que se fizerem necessárias – em meio magnético.

Até aqui, sem problemas.

O Autor, pelo presente, concede e transmite ao Editor o direito exclusivo de: publicar e comercializar a referida obra no Brasil e no exterior, em qualquer idioma

Aqui é onde os problemas começam. A editora fica com direito exclusivo de publicar a obra em qualquer idioma e em qualquer país. Assim se você quiser publicar seu livro em inglês, nos EUA, você não pode pois, além da obra não ser mais sua, a editora tem direito exclusivo para publicar o livro onde quiser. Contratos decentes vão amarrar este trecho ao idioma e território (“português” e “Brasil”, respectivamente). Assim se você quiser publicar seu livro em outro país (inclusive em Portugal) você poderá procurar uma editora por lá. Infelizmente, o contrato da Axcel não permite isso, fazendo com que o autor fique extremamente limitado.

Outro problema é que por esse contrato se porventura a editora fechasse algum contrato para a publicação da sua obra em outro idioma, os royalties seriam pagos conforme o item 1 e abaixo, ou seja, o autor receberia 50% do valor líquido que a editora apurasse, por padrão 10% do valor recebido. Para você entender o problema, imagine que a Axcel fechasse um contrato para a publicação do seu livro no exterior com valor de 10% do preço de capa do livro. A Axcel receberia integralmente esse valor e você, como autor, receberia 50% desse valor, um absurdo, pois se você contratasse um agente literário ele iria cobrar apenas 20% e você receberia 80% (ou 100%, se você corresse atrás disso por conta própria).

–  inclusive por meio de cinematografia, transmissão de rádio ou televisão, Internet, clube de livro e qualquer outro meio eletrônico ou magnético de armazenamento, vender todos os direitos subsidiários sobre a referida obra observadas as disposições do item 1 abaixo;

Outra cláusula abusiva, pois se você quiser fazer uma vídeo-aula usando sua obra como roteiro você não pode, só quem pode é a editora. Além disso, há os mesmos problemas dos royalties conforme expliquei acima.

registrar em todo o Brasil ou em qualquer outro país, em nome do Editor, os direitos autorais sobre a referida obra ou qualquer revisão ou edição da mesma, inclusive as reimpressões, e renovar qualquer registro dos referidos direitos.

É aqui que a cobra fuma mais pesado. Ao assinar este contrato, o autor está dando a obra para o editor, perdendo qualquer direito sobre ela, ou seja, o livro passa a ser propriedade da editora e não mais do autor.

O Editor, em consideração ao exposto – e sob pena da perda da validade deste contrato -, compromete-se a publicar no mínimo 500 exemplares da primeira edição da referida obra na forma de livro às suas expensas, de acordo com seu padrão de qualidade e apresentação e a usar todos os meios normais para comercializar a referida obra, sob as seguintes condições:

Sem problemas aqui.

1. DIREITOS AUTORAIS

a)    O Editor concorda em pagar ao Autor direitos autorais baseados no preço de venda líquido de todos os exemplares efetivamente vendidos, conforme a seguinte escala:

10 % sobre todas as unidades vendidas.

Essa é uma das piores cláusulas do contrato. A maioria das pessoas já ouviu falar que autores ganham 10% como royalties, o problema é que na Axcel Books esses royalties eram sobre o valor líquido, ou seja, sobre o faturamento, e não sobre o valor de capa do livro, como é praxe no mercado. É praxe fixar o valor dos royalties ao valor do preço de capa, justamente, para que a editora não sacaneie o autor: você receberá um valor fixo por cada livro vendido. No caso da Axcel, se a editora resolvesse dar descontos enormes (como eles davam), os royalties caíam para uma miséria. Só para mostrar um exemplo prático. Vamos supor um livro de R$ 25. Se o autor tem royalties de 10% sobre o valor da capa e a editora vende 10.000 livros, o autor terá a receber R$ 25.000 (R$ 25,00 x 10% x 10.000). No caso da Axcel, se ela desse um desconto de 60% (o que ocorria quando ela vendia livros em grandes quantidades para cursos ou grandes livrarias, como o Submarino), o autor, neste mesmo cenário, recebia apenas R$ 10.000 ((R$ 25,00 – (R$ 25,00 x 60%)) x 10% x 10.000). Ou seja, quanto maior o desconto que o editor resolvesse dar, menos o autor recebia. Ou pior. Se a editora resolvesse vender o livro a R$ 1 para desovar o estoque? O autor não receberia quase nada.

Conclusão: se você for assinar um contrato para editar um livro, só aceite royalties amarrados ao valor de capa do livro ou, então, com um valor fixo preso no contrato.

b)    O Editor pagará ao Autor os direitos autorais sobre as vendas da referida obra mensalmente a partir de três meses da data da primeira comercialização do livro, sempre no quinto dia útil do mês, referentes ao antepenúltimo mês realizado.

Esta é uma cláusula padrão, mas o ideal para facilitar é colocar esses acertos por trimestre civil (jan/fev/mar, abr/mai/jun, jul/ago/set, out/nov/dez). Se você tiver vários livros publicados fica complicado lembrar em qual mês a editora tem de pagar os royalties de cada livro. Por trimestre civil é fácil lembrar, pois todos vencem na mesma data.

c)     O Editor concorda em fornecer ao Autor relatórios mensais dos exemplares vendidos até a data.

Sem problemas. A praxe do mercado é inclusive apresentar esses relatórios somente trimestralmente, junto com o pagamento. O meu problema em particular foi que a Axcel deixou de apresentar tais relatórios bem como realizar os pagamentos, o que em teoria teria anulado o contrato, mas a Axcel simplesmente “cagou e andou” e continuou vendendo os livros.

d)    O Editor terá o direito exclusivo de publicar, ou autorizar publicações da referida obra parcial ou totalmente, para beneficiar ou promover sua venda, e qualquer renda recebida pelo Editor advinda desta publicação ou da venda de direitos totais ou parciais de tradução, cinematografia, transmissão de rádio ou televisão, clube de livro, meios eletrônicos ou magnéticos, ou outros direitos, deverá ser dividida em partes iguais a título de direitos autorais entre as partes do presente.

Ou seja, se a editora vender seu livro para outra editora, você recebe 50% da transação. Se você não tivesse assinado o contrato dando todos os direitos à editora, você receberia 100% da transação, caso a tivesse executado por conta própria. Mesmo que você contratasse alguém para correr atrás disso para você (um agente literário, por exemplo), você pagaria 20% para ele e ficaria com 80%.

2. SUPORTE TÉCNICO AO LEITOR

O Autor se compromete a responder, via fax ou E-mail, diretamente ao leitor ou ao Editor, no prazo máximo de 48 horas, as questões dos leitores concernentes às dúvidas do conteúdo autoral do livro, de acordo com o serviço Suporte Técnico ao Leitor, conforme divulgado na página II, de Copyright do livro objeto do presente contrato.

Ou seja, não bastasse a editora te sacanear de tudo quanto é maneira possível, você ainda tem que dar suporte de graça.

3. RELATÓRIOS QUINZENAIS

O Autor se compromete a apresentar quinzenalmente o trabalho desenvolvido ao Editor.

Esta é uma cláusula que supõe que o contrato foi assinado antes de o livro estar pronto. Sem problemas.

4. CANCELAMENTO DO CONTRATO

Ao Editor, cabe o direito de cancelar a obra, sem ônus para si, se não for cumprido o acordo estipulado por este contrato ou não forem encontradas qualidades que possibilitem uma aprovação da obra pelo Editor.

Esta é outra cláusula abusiva do contrato. Ela dá o direito apenas à editora em cancelar o contrato, mas não dá o direito do autor cancelá-lo se quiser. É, justamente, este tipo de cláusula que define um contrato como “leonino”: somente uma das partes tendo direitos.

5. CORREÇÕES DO AUTOR

Se o Autor fizer ou determinar que sejam feitas quaisquer alterações no texto original, nas ilustrações ou capas, que não sejam de responsabilidade do Editor, após a entrega e composição final da obra, ou após o prazo de entrega determinado por este contrato, o custo dessas alterações deverá ser debitado ao Autor e pago pelo mesmo, salvo se o Editor concordar em contrário.

Esta é uma cláusula padrão e feita para que o autor revise a obra com atenção, pois imagine se o autor decidir que quer modificar algo depois que o livro já esteja impresso… Sem problemas aqui.

6. CORREÇÕES DO EDITOR

O Editor terá o direito de fazer as alterações no original que considerar necessárias para sua estratégia de mercado, sem que com isso sejam alterados o sentido básico do texto do Autor.

Mais uma cláusula que não faz sentido. Isso dá brecha à editora em modificar o texto.

7. EXEMPLARES DO AUTOR

O Editor concorda em fornecer gratuitamente ao Autor 20 (vinte) exemplares do livro publicado e a vender-lhe as quantidades suplementares desejadas para seu uso pessoal ou promocional – e não para revenda -, com um desconto de 50% (cinqüenta por cento), F.O.B., local de embarque do Editor.

Esta é uma cláusula padrão, sem problemas aqui. As condições podem mudar um pouco de editora para editora, mas o sentido básico é o mesmo.

8. EXEMPLARES DO EDITOR

O Autor concorda em fornecer gratuitamente ao Editor, livre dos direitos autorais de que trata a cláusula 1 deste contrato, 50 exemplares do livro publicado para fins promocionais

Esta é uma cláusula padrão, sem problemas aqui. As condições podem mudar um pouco de editora para editora, mas o sentido básico é o mesmo, trata de envio de livros para jornalistas.

9. OBRAS CONCORRENTES

O Autor concorda em que, durante a vigência deste contrato, abster-se-á de, sem o consentimento por escrito do Editor, escrever, imprimir, publicar ou autorizar qualquer publicação, parcial ou total, que tenha qualquer semelhança com a referida obra, bem como qualquer outro livro que possa interferir de qualquer forma com a venda da mesma, ou prejudicá-la.

Esta é mais uma cláusula abusiva. Como eu escrevo sobre um assunto específico e, invariavelmente, livros sobre este assunto podem possuir semelhanças e podem ser considerados “concorrentes”. O autor tem de ter o direito de publicar novos livros por qual editora bem entender. Aqui fica claro a neurose da Axcel Books em querer amarrar o autor à editora com cláusulas e mais cláusulas abusivas, em vez de amarrar o autor pelo bom atendimento e desempenho em vendas. Isto é, fazer com que o autor queira ficar naquela editora pelo bom serviço prestado e não por causa de uma cláusula proibindo ele de mudar de casa editorial para novos livros.

10. NOVAS EDIÇÕES

O Autor compromete-se a rever ou atualizar a referida obra quando o Editor entender ser isto necessário. Se o Autor não puder ou não desejar fazer tal revisão ou nova edição por qualquer motivo, o Editor terá o direito de providenciar a preparação de um original revisto ou atualizado por um co-autor de sua livre escolha. Em tal caso, o co-autor será remunerado mediante uma quota de direitos autorais proporcionais às alterações efetuadas sobre a venda da edição revista ou atualizada, ou mediante uma quantia paga pelo Editor e lançada contra o primeiro direito autoral e outros rendimentos que se tornarem devidos ao Autor sobre a venda da edição revista e atualizada desde que não ultrapasse a quota proporcional acima mencionada. Caso o Autor deseje fazer revisões ou edições outras que não as consideradas necessárias pelo Editor, a este caberá indenização se essas modificações lhe impuserem gastos extraordinários, salvo nos casos de concordância por escrito do Editor.

Outra cláusula totalmente abusiva. Uma obra é algo único do autor; mutilar a obra sem consentimento do autor é inimaginável. Indo ao extremo para você entender o que esta cláusula poderia gerar, imagine se o Jorge Amado tivesse uma cláusula dessas em seus livros e a editora resolver contratar o “Seu Creysson” para atualizar os livros dele…

11. GARANTIA

O Autor garante que a referida obra é original, excetuando os extratos de outras obras que forem incluídos com permissão dos titulares dos respectivos direitos autorais ou os casos permitidos por lei; que ela não contém declarações injuriosas, nem infringe qualquer direito legal, de marca, patente, ou de propriedade de terceiros, bem como que indenizará o Editor por quaisquer custos, danos, despesas e prejuízos oriundos de qualquer quebra desta garantia.

Uma cláusula padrão para assegurar que o livro não contém plágio e, caso contenha, a editora está tirando o dela da reta caso seja processada.

12. CESSÕES

Este contrato poderá ser cedido por qualquer das partes, mas somente como um todo e nenhuma parte dos respectivos direitos de qualquer um poderá ser cedida sem o consentimento por escrito da outra parte. Não obstante quaisquer cessões, este contrato obrigará as partes do presente, seus herdeiros, sucessores, cessionários e representantes pessoais.

É uma cláusula padrão de todo contrato do tipo, falando sobre o que as partes têm de conceder.

13. OBRAS FUTURAS

O Autor compromete-se a conceder ao Editor a primeira opção para edição de todas as suas futuras obras para a língua portuguesa durante os próximos quatro anos a partir da data deste contrato. O Editor, por sua vez, terá um prazo máximo de 30 dias para responder se interessa ou não a publicação de uma nova obra.

Cláusula ilegal, pois amarra o autor à editora indefinidamente, caso ele fique publicando livros com regularidade: se o autor quiser passar a publicar livros por outra editora sem passar pela análise da Axcel Books, ele deverá esperar quatro anos do último contrato. Como disse, a editora deve promover meios para que o autor se sinta feliz e confortável com a editora em que ele esteja trabalhando e queira manter esta relação, em vez de tornar esta escolha uma obrigação.

14. VIGÊNCIA

Este contrato perderá a vigência quando a obra for oficialmente declarada fora de edição pelo Editor.

Cláusula ilegal porque dá ao editor o exclusivo poder de declarar o livro fora de edição. A praxe do mercado, em livros não-técnicos, é amarrar uma data de validade do contrato e uma cláusula estabelecendo o procedimento para renovação. Em livros técnicos, cujo conteúdo não sabe-se de antemão até quando será válido, a decisão deverá ser em conjunto entre o autor e o editor. Como explicado, dar somente a uma parte todos os direitos é o que caracteriza o contrato como “leonino”.

Fica eleito o Foro desta cidade para dirimir toda e qualquer dúvida oriunda deste contrato.

E por estarem de acordo com os termos do presente contrato, as partes assinam em duas vias.

Considerações finais:

Para enfatizar, a partir do momento em que este contrato é assinado, o livro passa a ser propriedade da editora. Se o autor quiser republicar o livro ou uma versão atualizada por outra editora, ele não pode. O meu processo contra a Axcel Books teve vários objetivos, sendo o principal resgatar a propriedade dos meus livros, para que eu pudesse relançá-los por outra editora.

Além disso, se o autor quisesse lançar outro livro por outra editora, sobre qualquer assunto que seja, ele teria de esperar quatro anos.

E se quisesse cancelar o contrato, ele não poderia, pois o contrato só poderia ser cancelado pela editora.

A premissa da editora é clara: eu tenho direito a tudo e o autor não tem direito a nada. Como disse, boas editoras não vão amarrar seus autores. Elas querem seus autores livres para poderem criar novas obras, sem se preocuparem com contratos, e querem que seus autores continuem escolhendo a editora pela qualidade de publicação e atendimento, não por cláusulas abusivas adicionadas em contrato.

Esta análise mostra bem o perfil da Axcel Books e de seus sócios.